A Jacqueline Cantore

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Paris, 4 de fevereiro de 1993.

Jacqueline Bisset, chérie,
cheguei de voita a Parrrrrí (uma negra: num ônibus junk que parte de
Amsterdam, baratíssimo, mas revistado até a alma na fronteira da Bélgica) dia 2 de
fevereiro, dia de lemanjá, dia de festa no mar-ô-ô. Fiquei dois dias no ap. de
Alexandre Rosa (a Fifi, lembra? ele gosta muito de você) e hoje vim pra cá. E um
quartinho-bem-direitinho no ap. enorme de uma produtora de música (produz a
Cesária Evora, e já produziu o John-biquinho-Lurie) chamada Dominique Bach.
Como lá crise é trop fort, ela subloca quartos num ap. enorme e chiquissímo. Fica
mais barato que uns hoteizinhos sinistrées que andei vendo, desde que aquele
studio dançou (te contei? te contei não? pois dançou, guriããããããã).
Estou quase a zero de grana e me sentindo um pouco como a Julie Andrews
no início de Victor ou Victória, remember? Com a diferença — grave — que não sei
se na segunda parte terei Paris a meus pés... Anyway, até a cadelice mais chinfrim
consegue ter a sua poesia nesta cidade, você sabe. Haja jus de pomme e queijo
ementhal e baguettes, foram-se os dias gordos de Saint-Nazaire.
Mas me divirto. Olhar, olhar, olhar é um cinema.
Amsterdam — ai, Amsterdam, jamais esquecerei Amsterdam — foi ótimo.
Je tombé amoureux d’un garçon hollandais, mas isso não vem ao caso. Dei
palestras em Utrecht, na Universidade, e num centro de amizade Holanda-Portugal-
Brasil no Ministério da Cultura de Haia (remember A Águia de Haia? acho que era
Ruy Barbosa. Não fiz tanto sucesso — no máximo seria a andorinha de Haia, ou o
periquito) e tudo culminou com a compra de Dulce Veiga por uma ótima editora
holandesa. Chama-se Pro Dom, que ninguém sabe o que quer dizer e, de
brasileiros, só edita mais o João Cabral de Melo Neto. Onde estão as limusines? me
perguntei. Mas pas de lumusines, por enquanto: um adiantamento de dois mil
dólares a ser pago Oxalá sabe quando.
Pausa para passar Vickvaporub (pode?) no nariz: a chauffage está acabando
com os restos (minguados) da minha jeunesse. Estamos exatamente no inverno, é
terrível.
Mas voltando à Holanda: Ray-Güde está animada, achando que o-mercadoestá-
se-abrindo (vai abrir! tá abrindo! quase aberto!), já que a Holanda é como o
Sol, who knows?
A verdade é que tá valendo, embora minha volta ao Brasil seja — ai, ai, meu
Deus — um susto. E preciso da tua velha-boa-&-santa ajuda, voilá.
[À margem: TRECHO SÉRIO: ATENÇÃO]
Fico aqui na Mme. Bach até dia 17, depois vou a Bordeaux ficar duas
semanas com Claire, para revisar a novela escrita em Saint-Nazaire (mudei o título
para Bem longe de Marienbad) e as traduções dos contos de Les survivants, mais uma
mão final em Dulcê Veigá (são três livros saindo em França até 94: traduzida!
francesa-a! jacirrrraá!). Aí troteio de mala & cuia até Augsburg, perto de Munique,
para um encontro de literatura, volto à França, faço uma coneccion para London,
London e — BRRRRRRRRRRRR! — hoje marquei minha volta para dia 5 de
março.
Você me hospeda alguns dias? Pouquíssimos, na verdade uns três ou quatro.
O aniversário de Nair (acho que 70, mas ela parou nos 65 há uns vinte anos) é dia 13
de março, e hay que cumprimentar Jocasta, d’accord?
Bueno, vou chegar (lá vão informações objetivas):
Dia 9 de março.
um sábado,
6h da manhã (meeeeeeedo!)
em Guarulhos
Ao mesmo tempo que escrevo a você, estou escrevendo a Gil (é um santo).
Ela vai te telefonar para pegar chave, coisas assim, você combina com ele — por
favor — para me encontrar. Se houver algum problema, por favor diga a ele. Até lá,
seria maravilhoso se você pudesse me telefonar ou mandar um fax. Anote lá:
De 17 a 28 de fevereiro estarei chez Claire Cayron [. . .1. O endereço do Fifi no
envelope também vale.
Entre 28 e 4 de março, chez Ray-Güde Mertin [...] 10 FÁX pode/ deve ser
usado: qualquer data Ray me encaminha.
Você faria isso pela sua velha (íssima) e nem sempre tão boa Marilene?
Prometo que, ao receber o Nobel, farei referência ao fato [...].
[. . .]
Fico em SP apenas para aterrissar do fuso horário e dar uma geral nas
minhas tralhas. Depois, fico emPOA (pode?) pelo menos um mês — estou com
um problema MEDONHO num dente, preciso de um longo tratamento com
minha irmã Cláudia. E, como não tenho casa mesmo, nem emprego (atenção, falo
sério, sonde qualquer coisa pour moi na MTV — topo tudo — vou chegar de
chapéu (Chanel, claro) na mão!), perigo dar um tempo em — pode? eu pergunto:
mas pode?) Tramandaí para escrever... Começou a nascer um livro novo.
+++++++++
Bem, posto o sério, voltemos ao que interessa. Ou seja, ao futil:
• O ídolo em Paris: Vanessa Paradis. Na verdade, muito criticada por gravar
nos States. Alexandre-Fifi ouve e dá gritinhos e dança e eu acho um tanto ridículo,
qualquer chose como Celly Campello querendo dar uma de Madonna. Bem...
• Passei uma semana em Köln, com meu tradutor alemão Gerd Hilger (uma
jacira lindéssima: enormes olhos azuis, louríssima,cabelo rasée e muito gel). Köln é
rica, fina & chique, mas no momento tomada de paranóia com os skin-heads.
• Lido na entrada de uma boate gay en Köln: “Se você é positiva, você é a
mais bem-vinda de todas”. Pode?
• Conheci uns brasileiros ótimos em Amsterdam. A melhor delas é Nena
Telles, uma machorra carioca que — imagina — freqüentou muito a Vila Olga-y e
conhece todo mundo. Mora na Holanda há 7 anos, casou no papel com uma
holandesa chamada Tecla, e as duas têm um programa aos domingos numa rádio
pirata. Também editam um jornal chamado Papagaío, em português e holandês. [À
margem: A MTV holandesa é bárbara!]
• O grande sucesso entre a brasileirada de Amsterdam (que é muito, muito
lhama) é Edson Cordeiro. A propos: tem um cantor holandês (uma negra, na
verdade do Suriname, com voz de castrati, chamado Paul Texel, que lembra demais
o Cordeiro — levo a fita). [À margem: Você já ouviu Willy Deville?]
• Fiz também amigos holandeses ótimos (são cadelíssimas). Um deles, Eric,
já voltou ao Brasil (morria de saudades), é uma jacira lindíssima e loiríssima e
finíssima, cujo plano é abrir uma editora no Brasil (sugeri o nome Países Baixos).
Bom, dei a ele teu telefone. Trate-o com carinho, ele é imensamente do bem.
• Paris está muito sínistrée. Hoje estávamos eu e Fifi fazendo um carretêro
(falso, é claro, com lingüiças da Polônia...) quando bate alguém na porta. Paranóia
(outra moda européia) rápida, olho mágico: [...]
• Amanhã me atiro nos cinemas. Tem um Stephen Frears novo (uma
comédia com Dustin Hoffmann — hmmmmmm... —, Geena Davis e — ai! —
Andy Garcia). Tem também Orlando, de Sally Potter, com Tilda — Eduardo II—
Swinton.
• Em Amsterdam, um de meus maiores prazeres foi andar de bicicleta. O
outro foi olhar o azul da Prússia profundo do céu logo que o sol se põe.
• Passei tardes no Museu Van Gogh, descobrimos — Sapê e eu — uma tela
druida muito misteriosa. Essa é outra das anunciações (loucas) do caminho de San
Tiago, mais só contando pessoalmente.
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E me apaixonei.
Me apaixonei muito fundo. E difícil falar, nem quero. Um Capricórnio Asc.
Leo, Lua em Scorpio. Holandês, calvinista. Uma Vênus em Aquário. Sinastrias
heavys: meu Saturno no Asc. dele, grau exato; Saturno dele na quadratura do meu
Sol (severas!). Sinastrias belas: Júpiter, Netuno e a Cabeça do Dragão dele na
conjunção do meu Marte. O Marte dele no trígono exato de meu Plutão. [À
margem: O sobrenome dele é Grootendorst, que em frizio/holandês significa
literalmente Grande Sede...]
E um mistério que não consegui decifrar: a Cauda do Dragão dele na
conjunção da minha Cabeça do Dragão; o inverso também, óbvio, Pedro Bó,
some-se meu Marte. Você acha que isso quer dizer que o que ele já aprendeu eu
preciso aprender e o que eu já aprendi é o que ele precisa aprender? — Esquece,
c’est trés bizarre... Não precisa responder.
Sofri, chorei, mas mesmo assim eu fui feliz...
Fica? Passa? Vai? Volta? Ask the dust, and the answer is maybe dusty.
Não sei nada, mas foi lindo. É terrrrrívelllll, como ele diz com seu sotaque da
Frizia, norte da Holanda.
Você lembra que Urano rege minha casa V? E que tenho Urano na casa IX?
E que estou vivendo exatamente Urano trígono Sol (que rege a minha Vênus)?
EU QUERO CASAR!
Mesmo que seja, neste caso, para depois dizer algo tipo “não me venhas de
tamancos ao leito...”
[. . .]

PS— Não se constranja se não puder me hospedar — mas por favor me
diga something about — sobretudo como (chaves, horários, etc.).

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