A Adriana Calcanhotto

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Saint-Nazaire, 16. 12.92

Deusa querida e distante,
impossível não pensar em você bebendo literalmente litros de água Perrier
todo o dia — o aquecimento seca horrores a pele! —, mas não só por isso.
Também procuro as cores de Almodóvar, cores de Frida Kahlo (vi uma autêntica na
Fiac, em Paris!), que aqui, neste porto de mar na Bretagne, entre Nantes e Brest, a
cidade de Querelle, são bastante raras. São mais cores de Agnés Varda, cores de
Gustave Klimt.
Tua fita — da qual não me separo há meses — faz sucesso por aqui. Mal
posso ouvi-la. Alain Keruzoré, meu tradutor, passou para Bernard Soubourou, que
sabe tudo sobre — imagina — Tania Alves, que passou para Marie Pierre. Hoje
saio na batalha, não quero ficar sem ela.
Te mando dois recortes, um deles fala em você. Mas ai, os-modemos-e-seussegundos-
cadernos são iguais em tout le monde. Ele faz uma confusão entre aquela
Penélope que você musicou e um conto que Claire Cayron traduziu. Bom, não
importa. Anyway, você está presente no texto — uma pequena novela — que
escrevo no momento para deixar aqui, será publicada pela Arcane 17.
Fico até 31.12 neste apartamento enorme, debruçado no porto de mar, com
uma vista de 360 graus e uma paisagem que, estranhamente, lembra Porto Alegre,
Manhattan, Florianópolis e a ponte Rio-Niterói (com Saint-Brévin les Pins do
outro lado da baía).
Depois vou a Amsterdam, Köln e Frankfurt, para leituras, tradutores,
agentes. Acho que volto em fevereiro — mas não sei ao certo, houve um problema
com meu ap. em SP, na minha ausência e, anyway, tenho que estar na Alemanha outra vez em junho. Tenho pensado que só agora compreeendo o sentido exato da
expressão “minha pátria é minha língua”.
Passei o domingo, ontem, comendo ostras, bebendo vinho branco e ouvindo
Jane Birkin cantando as canções de Serge Gainsbourg. Você ia adorar Norma Jean
Baker. Vou levar a fita. Fiz amizade forte com a filha de Christian, o diretor da
Maison — chama-se Marina, tem 9 anos, é Virgo asc. Capricómio e tem
absolutamente tudo de Van Gogh. E quem tem me dado as melhores aulas de
francês.
Andei muito cadela no Brasil. Milhares de problemas, nada grave. Seu disco
— deixei um recado na sua gravadora — me ajudou muito. Tem ajudado, é sincero
& comovido o que te digo.
Sábado tem show de Marina em Paris. Pensei em ir, mas fui recrutado para
participar de uns debates com os escritores do Báltico — Lituânia, Estônia,
Letônia, imagina — seria feio faltar. Outro dia acordei com vontade de ouvir Elis e
encontrei um cassete no Centro — tem Folhas secas.
Te mando uma folha de outono.
E todo carinho, e toda a energia para você continuar seu trabalho.
Je t’embrasse,
love
love
love
Caio F.

PS — Às 13h vejo Isaura na TV: Lucélia falando em francês é hilário! Logo depois
tem Dona Beija — mas aí é demais para minha beleza.
PS 2— Torci tanto por Benedita da Silva. Sábado, no Libération saiu um perfil dela
chamando-a de “La madona des favelas”. Desta distância, lanço meu olhar sobre o
Brasil e entendo ainda menos...
PS 3—Estou cantando Anne Dusquenois, que produz Marina, para trazer você.
PS 4 — Brigitte Bardot tentou o suicídio com barbitúricos, ontem!
PS 5— Comentário na TV sobre Lady Di: “Bem, se os ingleses não querem saber
dela, nós, franceses, podemos dar um jeito...”

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