A Cláudia Abreu

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Saint-Nazaire, 21 de dezembro de 1992.

Querida Cláudia,
foi uma surpresa e uma alegria receber tua cartinha. Ainda mais com boas
notícias. A única coisa que me preocupa é o teu cabelo — já que os médicos não
descobrem nada, deve ter uma razão Psicológica ou/e espiritual. Por que você não
tenta o Leo? Um bom batuque sempre ajuda, pode não resolver, mas mal não faz.
Outra coisa boa é vitamina E, em certas farmácias a gente encontra, tem uma da
welleda ótima. Espero que tudo se resolva e, em caso contrário, o melhor é
relaxar... Veja o meu exemplo...
Sobre o meu apartamento — acho que já está tudo resolvido. Quer dizer,
dançou mesmo. O Gil levou tudo para a casa dele, não sei como conseguiu. Fiquei
sem casa em SP, o que é um saco. Mas acho que não vai ter problema. Minha
amiga Patrícia está mudando para Londres no final de fevereiro, talvez possa me
passar o contrato do ap. onde ela mora. E, de qualquer forma, tenho que estar de
volta aqui, na Alemanha, em junho — portanto seria algo só para uns três meses,
não importa que não seja muito bom. Não se preocupe com isso. A ajuda que
imaginei fosse necessária seria no caso do Gil ter que mandar algumas coisas
minhas para aí — e, acho eu, a mãe ficaria atrapalhada com isso — mas não foi
preciso.
Está chegando ao fim a minha temporada aqui. Foi bom, consegui escrever
uma pequena novela — o negócio é assim: eles, a tal “Maison des Écrivains”, te
dão o ap. por dois meses, todo montado (tem até faxineira, Madame Toile, que
vem uma vez por semana, e chiquérrima — usa uns turbantes de seda hilários —
mas flor de vadia, como todas as faxineiras do mundo), e quando o escritor sai
deixa um texto que eles publicam depois. E um bom negócio — eles dão também
7.500 francos por mês (pouco menos de 1.500 dólares, que parece muito mas não
é: um maço de cigarros, por exemplo, custa 3 dólares) — mas não sei se agüentaria
mais do que esse tempo. É muita solidão. Ninguém fala português nem outra
língua a não ser francês, o que vai dando uma certa aflição.
Saio daqui no comecinho de janeiro. Vou primeiro até Amsterdam — um
amigo meu, holandês, alugou um carro e vem me buscar, ele traduziu uns contos
meus para o holandês e arrumou por lá umas leituras (aqui eles gostam muito).
Como a minha agente está tentando vender Dulce Veiga para a Holanda, tenho que
ajudar a tentar vender o peixe... Afinal, é disso que vivo. Mas acho que até o final
de fevereiro estou chegando aí.
Do Brasil só sei o que leio nos jornais daqui, e é muito pouco. Semana
passada li sobre a demissão do ministro da Economia do Itamar, que está me
parecendo uma boa trolha.
De toda a história do meu apartamento, o que me magoa é a atitude de Ivan.
Ele estava duro, sem trabalho, morando mal — eu recebi, hospedei, acertei
com ele que pagasse apenas 1/3 do aluguel, e muitas vezes não pagou nem isso,
nem nada. Enfim, dei toda força. E você acredita que até hoje ele não me mandou
uma palavra? Não fala isso para a mãe, porque você sabe como ela é, pode pintar
alguma saia-justa. E também não me importo de tentar ajudar as pessoas — se elas
não sabem corresponder, é problema delas. Não é por isso que vou virar uma naja.
Mando junto um cartão para Rodrigo e Laurinha, dê um grande beijo neles e um
abraço no Jorge.
Ah: lembra aquele meu dente monstro que tem extrusão (acho que é assim que
se escreve). Pois está medonho, incomodou tanto que quase fiz uma cirurgia aqui.
Mas achei que podia esperar, e vou levando com um remédio chamado Synthol. De
qualquer forma, vai te preparando: quando chegar aí vamos ter que arrancar. Vai
ser horrível.
Cuide-se bem, não trabalha demais. Que 93 seja mais leve, mais feliz para
todos nós.
Um beijo grande do
Caio F.

PS — A única hora que mato um pouco as saudades é entre 13h e 14h: na TV tem
“Isôrrá” e, logo depois “Doná Beijá” — ou seja, Escrava Isaura e Dona Beija, Mas é
dose Lucélia e Maitê dubladas em francês!

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