A Hilda Hilst

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Saint-Nazaire 26.11.92

Hildinha,
Que você, Dante, Yara e todos que a cercam estejam bem. Estou
mandando esses recortes para vocês saberem por onde anda o seu amigo. Ganhei
uma bolsa de dois meses — até 31.12— para entregar um pequeno livro à editora
Arcane 17, desta Maison des Écrivains Étrangers. E um ap. ótimo, enorme, no cais
do porto — a cidade fica entre a Bretagne e o Pays du Loire, bem no estuário do
Loire. É bonita. E meio trágica: foi destruída pelos nazistas durante a II Guerra,
depois reconstruída pelos americanos.
Tem sido — claro — maravilhoso ter todas as condições para escrever. Às
vezes um tanto solitário, também — não há ninguém para falar português por
perto, exceto minha tradutora Claire Cayron, que vive em Bordeaux.
Semana passada vieram — imagine — 15 escritores da Lituânia, Estônia e
Letônia, para palestras e debates. Inacreditáveis: depois dos 50 anos com a pata
russa em cima deles, ainda têm aqueles conceitos do realismo socialista, de
literatura “engajada”, etc. Fiquei pensando no que diriam de uma Lory Lamby...
Mas o bom foi fazer amizade com uma senhora chamada Ugné Karvelis, lituana
exilada desde a II Guerra em Paris, que foi mulher de Cortázar. Ótima. Acho que
Lygia deve conhecê-la.
Perdi meu ap. em São Paulo. Minhas coisas estão todas num guarda-móveis.
Daqui, vou a Amsterdam e à Alemanha — para voltar ao Brasil em fevereiro. Em
junho tenho que estar outra vez na Alemanha. 93 vai ser um ano meio sem casa.
Paciência. Por enquanto, vivo este sonho primeiro-mundista e contemplo Saint-
Brévin les Pins do outro lado do Loire.
Se Araripe ainda estiver por aí, dê um beijo nele. É um anjo de pessoa. Muito
carinho também para o Zé, e para todos. Se você precisar qualquer coisa daqui,
mando também o telefone: 40.66.83.98.
Um beijo grande do seu velho amigo
Caio F.

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