A Sonia Coutinho

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Sampa 17, digo 18.05.82

Sonia,
Que grande alegria, que grande prazer reencontrar o seu texto, ontem à
noite, na antologia da Márcia Denser9. Adorei o Hipólito. Acho que já disse isso a
você — se já disse, não custa repetir, se não disse, lá vai: tenho uma estranha
empatia com o seu texto. Leio como se eu mesmo tivesse escrito (num momento
de “inspiração” muito grande, claro) ou, no mínimo, com vontade de ter escrito o
seu texto. (Quanto texto nesse parágrafo...) Mas é isso. Aí embalei numa de Sonia
Coutinho e reli algumas das histórias de Os venenos de Lucrécia. Ô, Sônia, quero um
livro novo seu tipo já. E direto nas veias.
Sem saber de você, faz tempo. Eu tô aqui segurando esta barra do Leia desde
outubro passado. Já fiz seis números (te mando o último, que acho que é o mais
bonito que já fiz). E uma barrinha fazer. Patrão pão-duríssimo, na redação sou
praticamente só eu — o que tem o lado gostoso, do trabalho artesanal, quase de
recortar figurinha, mas tem também o lado do massacre mesmo. Tem dias que piro
com coisa demais para fazer, dá vontade de ser três ou quatro ao mesmo tempo.
Vou levando da melhor maneira possível (não fosse Oxalá e Oxum não sei o que
seria...).
Me disseram ontem aqui que meu livro fica pronto HOJE (já fumei três
maços). Esse livro foi uma novela de Janete Clair. Ficou DOIS anos na Nova
Fronteira com contrato assinado e promessas de sair, sempre, o mês que vem. Até
que me baixou o terceiro santo (Ogum), pedi que rasgassem o contrato,
devolvessem os originais e — enfim — tá saindo aqui pela Brasiliense. Chama-se Morangos mofados. Eu já achei genial, já achei medonho, já achei insípido, já achei
violento: agora estou em plena síndrome de pré-lançamento, não sei mais o que
sinto. Mando um procê assim que sair.
O mais são algumas quadraturas emocionais, mas tudo bem. Abandonei a
psicanálise, ou melhor: troquei pela dança. Há dois anos que bailo, bailo, bailo.
Moro sozinho com Zelda Fitzgerald, minha gata (adora gim), e às vezes sinto muita
saudade de você. Me dá notícias qualquer hora, de repente. Te gosto sempre.
Muito carinho.
Um beijo do
Caio Fernando Abreu

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