A Thereza Falcão

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SP 02.03.90

Thereza,
sua carta me deixou feliz. Não se preocupe com não-respostas ou longos
silêncios. Sou a pessoa mais indicada para compreender esse tipo de coisa. Pior são
as cartas que escrevo, juro que mandei, depois de um tempo encontro em algum
lugar.
Gostei de tudo que você conta sobre As frangas — a idéia da camiseta é
ótima! —, só fico torcendo para que tudo dê certo. E no que for necessário, conte
com a minha ajuda. Ando com As frangas — Parte II: a missão engatilhado pra
escrever. Tenho frangas novas, como a Cassandra, que tem olhos maquiadíssimos
(tipo Liz Taylor em Cleópatra) e é chegada numa magia, a Berenice, gaúcha, com
penas de verdade e olhos de lantejoula vermelha, e até alguns frangos, o Antonio
Pedro de Almeida Prado, fazendeiro gordo e solteirão, do interior de São Paulo,
dividido entre o amor (fiel) de Ulla e o amor (galináceo) de Otília, muito mais
interessada naqueles campos todos de Ribeirão Preto. Tem também o Pink Punk,
que esconde furiosamente ter nascido em Assumpción, Paraguai, mente que é
inglês e tem um visual moderníssimo, parece desenhado por Picasso.
Das antigas, que uma época foram mandadas para Porto Alegre, numa das
vezes que fiquei em casa, desapareceu a Juçara. Decidi que está na Amazônia, claro,
muito envolvida com ecologia e o Santo Daime. Blondie também sumiu: foi fazer
um tour de rock pelo mundo, cantando no backin-vocal.
Tenho a impressão que, a hora em que sentar para escrever, simplesmente
sai. Só que enlouqueci e comecei a escrever um romance. Na verdade eu vinha
trabalhando nele desde 1985, de repente uma tarde, numa fila de banco, de repente
fez click! E ficou pronto na minha cabeça. Tenho escrito todo dia. Como quem
carrega pedras, naquela neurose de querer a perfeição. Até maio deve estar pronto.
Pelo menos uma primeira versão.
No meio disso, continuo dirigindo um laboratório de criação literária, nas
Oficinas Oswald de Andrade, fazendo resenhas de livros para O Estado, e tentando
sobreviver de 10 mil maneiras. Repito que não vão acabar comigo.
Haja fé.
Como disse — acho que disse — da outra vez, confio plenamente na sua
adaptação.
Na seqüência, conte comigo para o que for preciso.
Dê um beijo no Marcelo por mim. Andei ligando para ele algumas vezes —
mas estava sempre ocupado ou ninguém atendia.
Frangas adoram ficar penduradas no telefone.
E isto, espero que você esteja conseguindo dar conta de todos esses
trabalhos.
Muito carinho, um beijo
Caio F.

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