UMA PRAIAZINHA DE AREIA BEM CLARA, ALI, NA BEIRA DA SANGA

0

Para
Antonio Maschio
e
Wladimir Soares

“Each man kills the things he loves.
(Oscar Wilde, citado por Fassbinder em Querelle)

1
HOJE faz exatamente sete anos que fugi para sempre do Passo
da Guanxuma, Dudu. É setembro, mês do teu aniversário, mas não
lembro o dia certo.
Lembrei disso agora há pouco, olhando minha cara no espelho
enquanto decidia se faço ou não a barba. Continua dura e cerrada, a
barba, você conhece. Se faço todos os dias, a cara vai ficando meio
lanhada, uns fios encravados, uns vermelhões. Se não faço, fica
parecendo suja, a cara. Não decidi nada. Mas foi quando olhei para o
espelho que vi o calendário ao lado e aí me veio esse peso no coração,
essa lembrança do Passo, de setembro e de você. Quando pensei
setembro, pensei também numas coisas meio babacas, tipo
borboletinhas esvoaçando, florzinhas arrebentando a terra, ventanias,
céu azul como se fosse pintado a mão. Tanta besteirada tinha naquela
cidade, meu Deus. Ainda terá?
Agora olhei pela janela. A janela do meu quarto dá para os
fundos de outro edifício, fica sempre um ar cinzento preso naquele
espaço. Um ar grosso, engordurado. Se você estivesse aqui e olhasse
para a frente, veria uma porção de janelinhas de banheiro, tão
pequenas que nem dá para espiar o monte de sacanagens que devem
acontecer por trás delas. Se você olhasse para baixo, veria aquelas latas
de lixo todas amontoadas no térreo. Só quando olhasse para cima,
poderia ver um pedacinho do céu - e quando escrevi pedacinho de céu
lembrei daquela mágica antiga que você gostava tanto, era mesmo um
chorinho? Sempre olho para cima, para ver o ar cinzento entre a minha
janela e o paredão do outro edifício que se encomprida até misturar com
o céu. Feito uma capa grossa de fuligem jogada sobre esta cidade tão
longe aí do Passo e de tudo que é claro, mesmo meio babaca.
Quando penso desse jeito, nesta cidade daqui, Dudu, você nem
sabe como me dá uma vontade doida, doida de voltar. Mas não vou
voltar. Mais do que ninguém, você sabe perfeitamente que eu nunca
mais posso voltar. Pensei isso com tanta certeza que cheguei a ficar
meio tonto, a mão escorregou e fez esse borrão aí do lado, desculpe. Eu
apertei as duas mãos contra a folha de papel, como se quisesse me
segurar nela. Como se não houvesse nada embaixo dos meus pés.
Você não sabe, mas acontece assim quando você sai de uma
cidadezinha que já deixou de ser sua e vai morar noutra cidade, que
ainda não começou a ser sua. Você sempre fica meio tonto quando
pensa que não quer ficar, e que também não quer - ou não pode -
voltar. Você fica igualzinho a um daqueles caras de circo que andam no
arame e de repente o arame plac! ó, arrebenta, daí você fica lá,
suspenso no ar, o vazio embaixo dos pés. Sem nenhum lugar no
mundo, dá para entender?
Ando tão só, Dudu. Ando tão triste que às vezes me jogo na
cama, meto a cara fundo no travesseiro e tento chorar. Claro que não
consigo. Solto uns arquejos, roncos, soluços, barulhos de bicho, uns
grunhidos de porco ferido de faca no coração. Sempre lembro de você
nessas horas. Hoje, preferi te escrever. Também, os lençóis estão
imundos. A dona que me aluga este quarto só troca de duas em duas
semanas, e já deve andar pelo fim da segunda. Peguei ainda a mania de
comprar comida na rua, naqueles pratinhos de papel metálico, fico
comendo entre os lençóis, volta e meia acaba caindo algum pedaço no
meio deles. Arroz, omelete, maionese, pizza - essas comidas de plástico
que a gente come aqui, nada de costela gorda com farinha, como aí no
Passo.
Fora isso, que é bastante porco, continuo um cara bem
limpinho. Dudu. E se você ainda consegue lembrar daqueles banhos
que a gente tomava pelados na sanga Caraguatatá - porque eu, eu não
esqueço um segundo nestes sete anos -, mais do que ninguém, você
sabe como isso é verdade.
2
Tenho trinta e três anos e sou um cara muito limpo. Tomo no
mínimo um banho por dia, escarafuncho bem as orelhas com cotonetes,
desses que, dizem, têm um dourado no meio, daí você ganha um prêmio
se encontrar, mas eu nunca encontrei. As unhas não corto, não é
preciso, desde criança rôo até o sabugo.
Não sou um cara feio, acho que não. Verdade que podia ser mais
alto um pouco, embora não seja nenhum pônei. E um pouco menos
peludo, também podia. De vez em quando tiro toda a roupa e fico me
olhando nu na porta de espelho do guarda-roupa. Tem pêlo por todo
lado, quando faço a barba tenho que começar a raspar ali onde termina
o peito e começa o pescoço. Fica parecendo uma blusa dessas sem gola,
uma camiseta escura.
Se não raspasse, emendava tudo. Tem pêlos também nos
ombros, um pouco nas costas, depois rareia, só começa de novo pouco
abaixo da cintura, antes da bunda.
Pêlos pretos, crespos. Nos lugares onde não tem pêlos, a pele é
muito branca.
Não era assim, lá no Passo. Quero dizer, não que eu não fosse
peludo - isso começou com uns treze, catorze anos, e não parou até
hoje. Pêlo é o tipo de coisa que não pára nunca de crescer no corpo de
um cara. Mas a pele, isso que eu quero dizer, a pele não era branca. No
Passo tinha sol quase todo dia, e uma praiazinha de areia bem clara, na
beira da sanga. Eu ficava ali deitado na areia, completamente nu, quase
sempre sozinho. Eu nadava e nadava e nadava naquela água limpa.
Deve ser por isso que, embaixo desses pêlos todos, os músculos são
muito duros.
Ou eram. Tenho ficado tanto tempo deitado que eles estão
amolecendo. Esse é só um dos sintomas, ficar muito tempo deitado.
Tem outros, físicos. Uma fraqueza por dentro, assim feito dor nos ossos,
principalmente nas pernas, na altura dos joelhos. Outro sintoma é uma
coisa que chamo de pálpebras ardentes: fecho os olhos e é como se
houvesse duas brasas no lugar das pálpebras. Há também essa dor que
sobe do olho esquerdo pela fronte, pega um pedaço da testa, em cima
da sobrancelha, depois se estende pela cabeça toda e vai se desfazendo
aos poucos enquanto caminha em direção ao pescoço. E um nojo
constante na boca do estômago, isso eu também tenho. Não tomo nada:
nenhum remédio. Não adianta, sei que essa doença não é do corpo.
Quando apalpo meu corpo e sinto ele ficando mole, levanto de
um salto e saio a caminhar pelo quarto. Faço cinqüenta flexões, até
meus peitos e braços ficarem duros de novo. Isso durante o dia, porque
não suporto o barulho das buzinas na rua. À noite saio, dou umas
voltas. Gosto de ver as putas, os travestis, os michês pelas esquinas.
Gosto tanto que às vezes até pago um, ou uma, para dormir comigo. Foi
assim que acabei conhecendo o Bar. Mas não quero falar disso agora.
Para não falar disso agora, levanto a cabeça, desvio os olhos do
espelho para não ver a cara barbada que parece suja e, devagarinho,
começo a soltar as mãos das bordas da pia enquanto olho fixo dentro do
meu olho no espelho. Imagino aquele cara, o do arame no circo, mas o
contato do arame com a pele da sola dos pés deve ser gelado e cortante
tipo fio de faca. O da pia também é frio, mas redondo, redondo feito
peito ou bunda de mulher. Embaixo dos meus pés descalços continua a
não ter nada. Então contraio bem os dedos, que nem macaco querendo
segurar alguma coisa. Depois solto os dedos dos pés do assoalho de
tábuas lixadas. Solto os dedos das mãos da pia e caminho até a porta
para ver se chegou.
Assim todos os dias, várias vezes por dia, depois das duas da
tarde. A dona que me aluga este quarto costuma colocar as cartas em
cima da mesinha no corredor. Abro muitas vezes a porta, espio, nunca
tem nada. Nem podia, claro, depois de tudo. Não tenho ninguém mais lá
no Passo. Só o Dudu. Que agora, depois de sete -anos, já nem sei
direito se tenho para sempre ou, ao contrário, não terei nunca mais.
Não queria pensar no Dudu agora, mas quando abri a porta e vi
a mesinha do corredor vazia - vazia de cartas, quero dizer, porque tem
sempre aquele elefante rosa com flor de plástico do lado - sem querer,
fiquei pensando bem assim: como seria bom se tivesse uma carta do
Dudu agora. Aí eu pegava a carta, me sentava, lia devagar, devia ter
notícia do Passo, devia falar naquela praiazinha, em setembro, numas
tardes quase quentes outra vez, já dava para começar a tomar sol de
novo, eu e ele, porque além de mim ele era o único cara que conhecia
aquele lugar. Mas então eu acendia um cigarro e lia, depois pegava
papel e caneta, pensava um pouco e começava a responder. Depois da
data, tinha que escrever alguma coisa, aí embatucava, em dúvida se
seria melhor meu-prezado-Dudu ou caro-Dudu, amigo-Dudu ou só
Dudu, ou quem sabe meu-amigo. Ficaria um monte de tempo assim
pensando, roendo a tampa da caneta, até começar a escurecer. Talvez
resolvesse começar a escrever sem data nem nada, para não contar
tudo. Talvez deixasse a carta assim mesmo, só uma data num papel em
branco, e tomaria um banho, faria de vez a barba, depois me vestiria
lento até chegar a hora de sair para o Bar, decidindo que não era
preciso carta alguma, porque desta vez.
Só que essas eram o tipo de coisa que eu não queria de jeito
nenhum pensar no meio daquela tarde, quase noite. No Passo, no Bar,
no Dudu. Tudo isso me faz tanto mal.
Fechei a porta, encostei a parte de cima da cabeça contra ela. Só
nos filmes as pessoas fazem isso, nunca vi ninguém fazer de verdade.
Comecei a fazer para ver se sentia o que as pessoas sentem nos filmes -
pessoas sempre sentem coisas nos filmes, nos bares, nas esquinas, nas
músicas, nas histórias. Nas vidas acho que também, só que não se dão
conta. Depois percebi que aquela dor que sobe ali do olho esquerdo pela
testa diminuía um pouco assim, então fui me virando até apertar o lado
esquerdo da cabeça, justamente onde doía, contra a porta fechada. A
dor doía menos assim, embora não fosse exatamente uma dor. Mais um
peso, um calafrio. Uma memória, uma vergonha, uma culpa, um
arrependimento em que não se pode dar jeito.
Eu estava de costas contra a porta quando olhei pela janela
aberta do outro lado do quarto. Então pensei que bastaria uma corrida
rápida da porta até a janela, depois um impulso mínimo para jogar meu
corpo por ela e plac! ó, pronto, acabou: moro no décimo andara. Não foi
a primeira vez que isso me passou pela cabeça. O que me segurou desta
vez, como me segurava em todas as outras, foi pensar naquele monte de
latas de lixo lá no térreo. Meu pequeno corpo, cheio de pêlos e músculos
duros, cairia exatamente sobre elas. Imaginei uns restos de macarrão
enrolados nos anéis do meu cabelo crespo, uma garrafa vazia de pinga
vagabunda no meio das minhas pernas, um modess usado na ponta do
meu nariz. E continuei parado. Tenho horror à idéia de ficar sujo,
mesmo depois de morto.
3
Só que desta vez, Dudu, por mais nojeiras que imaginasse sobre
meu corpo caído lá embaixo, não sei por que, a vontade de saltar
continua. Mas eu resisto. Não que alguém fosse sentir muita falta
minha ou se achar, sei lá, sacaneado com a minha morte. Nem
Teresângela, aquela putinha que veio me chupar o pau umas quatro ou
cinco vezes, acho que te contei, nem Marilene, mulher do Indio, aí do
Passo (um beijo nela), que gostava de mim, faz tanto tempo, nem os
donos do Bar, o gordinho que sorri e às vezes abana de longe, ou o de
bigode e chapeuzinho preto redondo de Carlitos. Nem você, que nunca
me escreveu. Ninguém, Dudu. Eu comecei a enumerai nos dedos quem
poderia sentir a minha falta: sobraram dedos. Todos estes que estou
olhando agora.
Eu ando muito infeliz, Dudu, este é um segredo que conto só
para você: eu tenho achado, devagarinho, cá dentro de mim, em
silêncio, escondido, que nem gosto mais muito de viver, sabia?
Não é falta de grana, não. Aqui a gente se vira. Um dia vendo
livros, no outro faço pesquisa. Sei ló, sempre pinta. Nunca precisei de
muito, você sabe. Meu único luxo têm sido os discos de Dulce Veiga que
fico catando nas lojas, já tenho quase todos, você ia gostar de ouvir,
outro dia encontrei até o Dulce Também Diz Não, autografado e tudo.
Nem falta de amor, que te falei da Teresângela, e tem também o Carlão
ali da Praça Roosevelt, quando bebo demais, fumo maconha, tomo bola,
me esqueço de mim e fico meio mulher, mais a Noélia, uma gatona
repórter da revista Bonita, que conheci no Bar uma noite que ela
perguntou o meu signo no horóscopo chinês, e eu sou Tigre e você,
lembrei, Dragão.
Amor picadinho, claro, amor bêbado, amor de fim de noite, amor
de esquina, amor com grana, amor com fissura, chato nos pentelhos e
doença, nas madrugadas de sábado desta cidade que você não conhece
nem vai conhecer. De qualquer jeito, amor, Dudu, embora não mate a
sede da gente. Amor aos montes, por todos os cantos, banheiros e
esquinas.
Não é isso, nem a falta disso. Me roendo por dentro, é outra
coisa que só você poderia saber o que é, mas nem você mesmo soube
naquele tempo, e agora nem eu sei se saberia explicar a você ou a
qualquer outro.
Mas o que quero te contar, e só sei meio vagamente porque justo
hoje, é um negócio tão louco que nem sei como começar. Quem sabe
assim - sabia que uma noite eu vi você? Não ria, não duvide de mim,
não pense que foi assim como quando você sente saudade demais de
uma pessoa, então começa a vê-la nas outras, em todos os lugares, de
costas, por um jeito de andar, de sorrir ou virar a cabeça de lado. Foi
outra coisa. E não era apenas uma vontade de ver você que te trazia de
volta, era você mesmo, Dudu. Você exato, como você é ou foi, sete anos
atrás. Como uma pessoa, mesmo por engano, nunca pode ser outra
pessoa.
Foi no Bar, a primeira vez que fui ao Bar, e foi por sua causa
que fui lá, faz uns três, quatro anos. Eu vinha descendo a rua Augusta
quando vi você dobrar aquela esquina da banca de frutas, sorrir para
mim, acenar com a mão, mascando chiclete (de hortelã, eu sabia) como
sempre, depois entrar num portão de ferro desses altos, antigos. Eu fui
atrás, eu nem sabia que aquilo era um bar. Me perdi numas salas
cheias de fumaça e gente estranha, gente falando muito e muito alto,
atravessei umas portas, uns arcos, desci escadas, tornei a subir, fui
parar numa janela grande aberta para a rua. Então olhei para o outro
lado e lá estava você, na calçada oposta, embaixo de um outdoor de
carro, calcinha ou dentes, não lembro ao certo.
Você não era uma visão do outro lado da rua, Dudu. Você nem
sequer estava de branco, você vestia aquele jeans todo desbotado, meio
rasgadinho na bunda e no joelho direito, com uma camiseta branca,
como as que você usava, mascando aquele chiclete que de longe eu
sabia que era hortelã. Era você exato, Dudu. Eu atravessei as salas, a
fumaça dos cigarros, os sons estridentes de todas as palavras que
aquelas pessoas jogavam feito bolas no ar, passei pelo balcão,
atravessei aquele corredorzinho de entrada, afastei umas gente
amontoadas no portão enquanto você esperava por mim do outro lado.
Então precisei parar e dar passagem a um desses ônibus elétricos que o
tempo todo sobem e descem a Augusta. Quando o ônibus passou, você
tinha desaparecido outra vez.
Loucura, não é, Dudu?
Fiquei dando umas voltas por ali, sem acreditar, até ir parar na
Praça Roosevelt. Foi nessa noite que encontrei o Cartão pela primeira
vez, parado na frente do cinema Bijou, onde passava, lembro tão bem, A
História de Adele H, o tipo de filme que você gostava. De longe, as mãos
nos bolsos, cigarro na boca, mascando chiclete ao mesmo tempo,
parecia você. Essa foi só a primeira vez que te vi.
Desde aquela noite, peguei a mania de ir ao Bar, pensando
assim que era um lugar onde você costumava ir, feito íamos no Agenor
da Boca, lá no Passo, encontrar a Marilene fugida do Indio, com dois
poemas na bolsa. Te vi outras noites, Dudu, sempre no Bar. Acontece
de repente, tão rápido que nunca consigo dizer nada. As vezes estou
numa mesa, quase sempre com a Noélia, e você desce as escadas, como
se fosse em direção à sala grande da frente. Você sempre sorri, me
abana. Depois desaparece.
Nunca falei sobre você a ninguém. Nem vou falar. Não falaria de
você nem a você mesmo, se hoje não tivesse percebido que, além de
fazer sete anos que saí para sempre do Passo da Guanxuma, é um dia
próximo do teu aniversário. Por isso estou te escrevendo, depois de
tanto tempo. Também para deter aquela vontade de saltar pela janela e
acabar de vez com esta saudade do Passo, onde não vou voltar, com
essa mania louca de procurar você no Bar quase todas as noites, sem te
encontrar. Eu sinto tanta falta, Dudu.
Penso às vezes que, quando eu estiver pronto, embora não
tenha a menor idéia de como possa ser estar-pronto, um dia, um dia
comum, um dia qualquer, um dia igual hoje, vou encontrar você claro e
calmo sentado no Bar, à minha espera. Na mesa à sua frente, um copo
de vinho que você vai erguer no ar feito uma saudação, até que eu me
aproxime sem que você desapareça, para que eu possa então te abraçar
dando um soco leve no ombro, sem te machucar, como antigamente, e
sentar junto para contar todas as coisas que aconteceram comigo
nestes sete anos.
Desde aquela tarde quase quente de setembro, quando nos
estendemos nus sobre a areia clara das margens da sanga Caraguatatá,
um dia perto do teu aniversário, o cú azul feito alguém tivesse pintado
ele, essas ventanias de primavera secando rápido nossos cabelos
molhados, enquanto uma borboletinha amarela esvoaçava entre nós
para escapar depressa no momento exato em que, ali do meu lado, você
se debruçou na areia para olhar bem fundo dentro dos meus olhos,
depois estendeu o braço lentamente, como se quisesse me tocar num
lugar tão escondido e perigoso que eu não podia permitir o seu olho nos
pêlos crespos do meu corpo, a sua mão na minha pele que naquele
tempo não era branca assim, o seu hálito de hortelã quase dentro da
minha boca. Foi então que peguei uma daquelas pedras frias da beira
d’água e plac! ó, bati de uma só vez na tua cabeça, com toda a força dos
meus músculos duros - para que você morresse enfim, e só depois de te
matar, Dudu, eu pudesse fugir para sempre de você, de mim, daquele
maldito Passo da Guanxuma que eu não consigo esquecer, por mais
histórias que invente.

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