A José Márcio Penido

0

Gay Port (!), 21. 6. 79

Meu caro Garcia de Oliveira,
sim, porque pra um nome como esse só mesmo usando expressões tipo essa,
ou “prezado”, ou “mui estimado”. Posto isso, imagino que você esteja surpreso.
Esperava receber um cartão cheio de palmeiras e casarios coloniais? Ledo engano:
vai esta folha branca, um pouco amolecida pelo frio e pela umidade reinantes aqui
por estes pampas, chê. O que aconteceu? Bem, eu FUI até Olinda. Aí rodei por lá
um dia inteiro, sem encontrar lugar pra ficar. Acabei indo pra Recife, onde me
instalei num hotel de oitava: o Suíça Hotel, na Rua do Hospício — juro!
Solucionados os problemas de acomodação, percebi que não conhecia viv’ alma (ai
este português castiço!) na cidade. E toca subir rua, descer rua, atravessar
Capibaribe, tropeçar em cantador, em retirante, comer tapioca, olhar, olhar, assistir
filmes como Iracema ou O Super-Macho ou A ilha das cangaceiras virgens (descobri que
Helena Ramos dá de dez em qualquer Sonia Braga, Ana Matos que me perdoe),
voltar para o hotel, passar o dedo com desgosto em cima do quilo de poeira dos
móveis, olhar, olhar — olhar o quê, meu deus? Meu caro Garcia de Oliveira, me
deu uma solidão tão grande que, menos de uma semana depois, arrumei tudo e
voltei pra Sampa. Passei uma noite lá. Peguei as lãs e as peles e vim pra cá. Em
chegando aqui, apanhei gripe fatal (claro, sair duma temperatura de 30 graus pra
outra de -2) que me derrubou até hoje. Quando, mais animadinho, tomo da pena
para endereçar-te estas mal traçadas.
E não sei o que dizer, Zézinho, não tô bem. Isso é uma coisa que eu posso
dizer, tendo certeza dela. Mas é também uma coisa pela qual você não pode fazer
nada, e de pouco adianta eu dizer. Ô, Zé, ando tão desorientado, já faz tempo. E
me escondo, e não procuro ninguém, e fico mastigando a minha desorientação.
Esse sobe-desce todo da semana passada me deu a medida de como ando. De
repente, lá em cima, no Recife, parecia que ninguém no mundo se importava
comigo. Eu queria ir pra um lugar onde eu tivesse uma sensaçãozinha, ilusória que
fosse, de que tinha alguém prestando atenção em mim. Achei que era aqui. É? Não
sei. Me enfiei em casa e não saí. Um desgosto. Leio o tempo todo. Sento no jardim.
Ouço música. Tento escrever, mas não sei se quero ou se preciso, e não consigo.
Umas carências. Descobri John dos Passos, mas não é suficiente pra encher esse
oco que não sei do que é. Mas tomo copos de leite, durmo bastante, e repito
sempre que, seja o que for, vou sair desta pelo menos mais sadiozinho. Deve ter
algum processo em andamento dentro de mim, querendo explodir de alguma
forma. Ou esse desgosto é já um jeito de ser? Se for assim, não quero acostumar. Se
quatro anos de análise não deram jeito nele, quem dá? Vezenquando penso no
Maurinho, com a sua cientologia. Depois, penso também naquele quase velho
poema do John Lennon: “I don’t believe in yoga/ I don’t believe in mantra/ I
don’t believe in God/ I don’t believe in Freud/ I don’t believe in drugs/ I don’t
believe in sex/ I don’t believe in Beatles” e termina com um acorde profundo de
guitarra e um “I just believe in me”. Mas nem isso.
Tantos trancos. E o meu olho nem conseguindo ver mais nada bonito.
Queixas, queixas. Sorry. Nada de grave. Sábado estréia minha peça infantil aqui.
Acho que tô contente. Não vi ninguém, fiquei com medo, da outra vez me abalou
tanto um garoto que agora eu não quero nem ver, você me entende? Tô exausto de
construir e demolir fantasias. Não quero me encantar com ninguém. Meu olho vai
ficando duro, vai ficando frio. As frases dão uma volta, e caem na queixa outra vez.
Reli teu Viegas neon: sabe que ele me explica um pouco o meu fascínio por
Sampa? E toda vez que releio, me dá um medo de acabar crucificado dentro de
uma garrafa. Será que é isso que a cidade faz com a gente? Uma coisa que eu acho
que conta quando a gente se compreende é o fato de você ter nascido em
Cambuquira e eu em Santiago do Boqueirão. Zézim, vezenquando me dá um ódio
de São Paulo e da grande cidade, e depois uma cidade pequenininha me dá uma
coisa n’alma, sabe como? uma sensação de estar longe demais de tudo.
Vezenquando eu penso que da cidade pequena pra cidade grande alguma coisa se
perdeu dentro da gente — me sinto como uma coluna vertebral sem uma vértebra,
portanto insustentável. Daí vou pensando um pouco mais nisso e então me dói
mais fundo, porque me parece irremediável, inconsertável, insubstituível esse elo,
essa vértebra perdida.
Em Recife eu caminhava pensando: que que eu tô procurando aqui, meu
deus? Aqui, caminho pensando: que que eu vim fazer aqui, meu deus? Não é uma
questão de paisagem exterior, portanto? Mas mal suporto meus próprios
pensamentos & sentimentos. É uma grande crise burguesa? Olhando desse jeito,
sou só um pequeno burguês, filho da classe média, colonizado culturalmente,
devorado por essas angústias abstratas de quem tem barriga cheia e cabeça cheia de
inutilidades consumistas? Mas não sei se consigo me reduzir assim, a um simples
esquema ideológico. E mesmo que conseguisse: o que vem depois?
Gosto tanto de você. Muitas vezes, é uma referência viva pra mim de São
Paulo, você me entende? Assim como se você estando ai, e eu podendo estar junto
de você, às vezes, e te ouvindo, e sabendo da tua vida, e você da minha — só isso
justificasse algumas coisas, me impedindo de perguntar coisas como “meu deus, o
que que eu tô fazendo aqui”. É feito uma resposta.
Ontem achei isso aqui relendo Rilke (as coisas que a gente faz no inverno
gaúcho), é da Canção de amor e morte do porta-estandarte. Mando pra você:
“É demais, ter dois olhos. Só à noite, às vezes,
pensa-se conhecer o caminho. Talvez à noite
tornemos sempre a refazer a jornada que
penosamente cumprimos sob o sol estrangeiro?
Pode ser”.
Não é bonito?
Lá pelo dia 1 de julho, tô de volta.
Um carinho na Pobre Menina, la Berenson de Vila Madalena.
Um abraço em Ana Matos, Niño and Samuca.
Jocastamente: não fique trancado demais em casa, atenda o telefone e vá sempre
que puder ver o pôr-do-sol na pracinha do Alto de Pinheiros. Se alguma vez, por
descuido ou coisa assim, ouvir It’s impossible, pense em mim. Ou não. E se a saudade
bater, escreva uma carta que pode ser cheia de queixas, ou cheia de sol. Será bemvinda.
Te gosto sempre. Um beijo
Caio

PS — (Adoro PSs: às vezes o PS é tudo numa carta). Como dizia Clarice
Lispector arrematando A hora da estrela e a sua própria vida: “Não esquecer
que por enquanto é tempo de morangos. Sim.”
PS 2 — Seja como for, torno a descobrir que a literatura, essa deusa-cadela, é
a coisa que mais tenho amado na vida.
PS 3 — Se Deus quiser, tudo, tudo, tudo vai dar pé. Outro beijo.
[... ]


Porto, 22. 12. 79

Zézim,
cheguei hoje de tardezinha da praia, fiquei lá uns cinco dias, completamente
só (ótimo!), e encontrei tua carta. Esses dias que tô aqui, dez, e já parece um mês,
não paro de pensar em você. Tou preocupado, Zézim, e quero te falar disso. Fica
quieto e ouve, ou lê, você deve estar cheio de vibrações adéliopradianas e, portanto,
todo atento aos pequenos mistérios. É carta longa, vai te preparando, porque eu já
me preparei por aqui com uma xícara de chá Mu, almofada sob a bunda e um maço
de Galaxy, a decisão pseudo-inteligente.
Seguinte, das poucas linhas da tua carta, DOZE frases terminam com ponto
de interrogação. São, portanto, perguntas. Respondo a algumas. A solução,
concordo, não está na temperança. Nunca esteve nem-vai estar. Sempre achei que
os dois tipos mais fascinantes de pessoas são as putas e os santos, e ambos são
inteiramente destemperados, certo? Não há que abster-se: há que comer desse
banquete. Zézim, ninguém te ensinará os caminhos. Ninguém me ensinará os
caminhos. Ninguém nunca me ensinou caminho nenhum, nem a você, suspeito.
Avanço às cegas. Não há caminhos a serem ensinados, nem aprendidos. Na
verdade, não há caminhos. E lembrei duns versos dum poeta peruano (será Vallejo?
não estou certo): “Caminante, no hay caminos. Pero el camino se hace al andar”.
Mais: já pensei, sim, se Deus pifar. E pifará, pifará porque você diz “Deus é
minha última esperança”. Zézim, eu te quero tanto, não me ache insuportavelmente
pretensioso dizendo essas coisas, mas ocê parece cabeça dura demais. Zézim, não
há última esperança a não ser a morte. Quem procura não acha. É preciso estar
distraído e não esperando absolutamente nada. Não há nada a ser esperado. Nem
desesperado. Tudo é maya/ilusão. Ou samsara/ círculo-vicioso.
Certo, eu li demais zen-budismo, eu fiz yoga demais, eu tenho essa coisa de
ficar mexendo com a magia, eu li demais Krishnamurti, sabia? E também Allan
Watts, e D.T. Suzuki, e isso freqüentemente parece um pouco ridículo às pessoas.
Mas dessas coisas, acho que tirei pra meu gasto pessoal pelo menos uma certa
tranqüilidade.
Você me pergunta: que que eu faço? Não faça, eu digo. Não faça nada,
fazendo tudo, acordando todo dia, passando café, arrumando a cama, dando uma
volta na quadra, ouvindo um som, alimentando a Pobre. Você tá ansioso e isso é
muito pouco religioso Pasme: acho que você é muito pouco religioso. Mesmo.
Você deixou de queimar fumo e foi procurar Deus. Que é isso? Tá substituindo a
maconha por Jesuzinho? Zézim, vou te falar um lugar-comum desprezível, agora, lá
vai: você não vai encontrar caminho nenhum fora de você. E você sabe disso. O
caminho é in, não off. Você não vai encontrá-lo em Deus nem na maconha, nem
mudando pra Nova York, nem.
Você quer escrever. Certo, mas você quer escrever? Ou todo mundo te cobra
e você acha que tem que escrever? Sei que não é simplório assim, e tem mil coisas
outras envolvidas isso. Mas de repente você pode estar confuso porque fica todo
mundo te cobrando, como é que é, e a sua obra? cadê o romance, quedê a novela,
quedê a peça teatral? DANEM-SE, demônios. Zézim, você só tem que escrever se
isso vier de dentro pra fora, caso contrário não vai prestar, eu tenho certeza, você
poderá enganar a alguns, mas não enganaria a si e, portanto, não preencheria esse
oco. Não tem demônio nenhum se interpondo entre você e a máquina. O que tem
é uma questão de honestidade básica. Essa perguntinha: você quer mes escrever?
Isolando as cobranças, você continua querendo? Então vai, remexe fundo, como
diz um poeta gaúcho, Gabriel de Britto Velho, “apaga o cigarro no peito! diz pra ti
o que não gostas de ouvir/ diz tudo”. Isso é escrever. Tira sangue com as unhas. E
não importa a forma, não importa a “função social”, nem nada, não importa que, a
princípio, seja apenas uma espécie de auto-exorcismo. Mas tem que sangrar a-bundan-
te-men-te. Você não está com medo dessa entrega? Porque dói, dói, dói. É de
uma solidão assustadora. A única recompensa é aquilo que Laing diz que é a única
coisa que pode nos salvar da loucura, do suicídio, da auto-anulação: um sentimento de
glória interior. Essa expressão é fundamental na minha vida.
Eu conheci razoavelmente bem Clarice Lispector. Ela era infelicíssima,
Zézim. A primeira vez que conversamos eu chorei depois a noite inteira, porque ela
inteirinha me doía, porque parecia se doer também, de tanta compreensão sangrada
de tudo. Te falo nela porque Clarice, pra mim, é o que mais conheço de
GRANDIOSO, literariamente falando. E morreu sozinha, sacaneada, desamada,
incompreendida, com fama de “meio doida”. Porque se entregou completamente
ao seu trabalho de criar. Mergulhou na sua própria trip e foi inventando caminhos,
na maior solidão. Como Joyce. Como Kafka, louco e só lá em Praga. Como Van
Gogh. Como Artraud. Ou Rimbaud.
É esse tipo de criador que você quer ser? Então entregue-se e pague o preço
do pato. Que, freqüentemente, é muito caro. Ou você quer fazer uma coisa bemfeitinha
pra ser lançada com salgadinhos e uísque suspeito numa tarde amena na
Cultura, com todo mundo conhecido fazendo a maior festa? Eu acho que não. Eu
conheci/conheço muita gente assim. E não dou um tostão por eles todos. A você,
eu amo. Raramente me engano.
Zézim, remexa na memória, na infância, nos sonhos, nas tesões, nos
fracassos, nas mágoas, nos delírios mais alucinados, nas esperanças mais descabidas,
na fantasia mais desgalopada, nas vontades mais homicidas, no mais aparentemente
inconfessável, nas culpas mais terríveis, nos lirismos mais idiotas, na confusão mais
generalizada, no fundo do poço sem fundo do inconsciente: é lá que está o seu
texto. Sobretudo, não se angustie procurando-o: ele vem até você, quando você e
ele estiverem prontos. Cada um tem seus processos, você precisa entender os seus.
De repente, isso que parece ser uma dificuldade enorme pode estar sendo
simplesmente o processo de gestação do sub ou do in-consciente.
E ler, ler é alimento de quem escreve. Várias vezes você me disse que não
conseguia mais ler. Que não gostava mais de ler. Se não gostar de ler, como vai
gostar de escrever? Ou escreva então para destruir o texto, mas alimente-se.
Fartamente. Depois vomite. Pra mim, e isso pode ser muito pessoal, escrever é
enfiar um dedo na garganta. Depois, claro, você peneira essa gosma, amolda-a,
transforma. Pode sair até uma flor. Mas o momento decisivo é o dedo na garganta.
E eu acho — e posso estar enganado — que é isso que você não tá conseguindo
fazer. Como é que é? Vai ficar com essa náusea seca a vida toda? E não fique
esperando que alguém faça isso por você. Ocê sabe, na hora do porre brabo, não
há nenhum dedo alheio disposto a entrar na garganta da gente.
Ou então vá fazer análise. Falo sério. Ou natação. Ou dança moderna. Ou
macrobiótica radical. Qualquer coisa que te cuide da cabeça ou/e do corpo e, ao
mesmo tempo, te distraia dessa obsessão. Até que ela se resolva, no braço ou por si
mesma, não importa. Só não quero te ver assim engasgado, meu amigo querido.
Pausa.
Quanto a mim, te falava desses dias na praia. Pois olha, acordava às 6, 7 da
manhã, ia pra praia, corria uns quatro quilômetros, fazia exercícios, lá pelas 10
voltava, ia cozinhar meu arroz. Comia, descansava um pouco, depois sentava e
escrevia. Ficava exausto. Fiquei exausto. Passei os dias falando sozinho,
mergulhado num texto, consegui arrancá-lo. Era um farrapo que tinha me nascido
em setembro, em Sampa. Aí nasceu, sem que eu planejasse. Estava pronto na
minha cabeça. Chama-se Morangos mofados, vai levar uma epígrafe de Lennon &
McCartney, tô aqui com a letra de Strawberry fields forever pra traduzir. Zézim, eu
acho que tá tão bom. Fiquei completamente cego enquanto escrevia, a personagem
(um publicitário, ex-hippie, que cisma que tem câncer na alma, ou uma lesão no
cérebro provocada por excessos de drogas, em velhos carnavais, e o sintoma —
real — é um persistente gosto de morangos mofados na boca) tomou o freio nos
dentes e se recusou a morrer ou a enlouquecer no fim. Tem um fim lindo, positivo,
alegre. Eu fiquei besta. O fim se meteu no texto e não admitiu que eu interferisse.
Tão estranho. Às vezes penso que, quando escrevo, sou apenas um canaltransmissor,
digamos assim, entre duas coisas totalmente alheias a mim, não sei se
você entende. Um canal-transmissor com um certo poder, ou capacidade, seletivo,
sei lá. Hoje pela manhã não fui à praia e dei o conto por concluído, já acho que na
quarta versão. Mas vou deixá-lo dormir pelo menos um mês, aí releio — porque
sempre posso estar enganado, e os meus olhos de agora serem incapazes de verem
certas coisas.
Aí tomei notas, muitas notas, pra outras coisas. A cabeça ferve. Que bom,
Zézim, que bom, a coisa não morreu, e é só isso que eu quero, vou pedir demissão
de todos os empregos pela vida afora quando sentir que isso, a literatura, que é só o
que tenho, estiver sendo ameaçada — como estava, na Nova.
E li. Descobri que ADORO DALTON TREVISAN. Menino, fiquei dando
gritos enquanto lia A faca no coração, tem uns contos incríveis, e tão absolutamente
lapidados, reduzidos ao essencial cintilante, sobretudo um, chamado Mulher em
chamas. Li quase todo o Ivan Angelo, também gosto muito, principalmente de O
verdadeiro filho da puta, mas aí o conto-título começou a me dar sono e parei. Mas ele
tem um texto, ah se tem. E como. Mas o melhor que li nesses dias não foi ficção.
Foi um pequeno artigo de Nirlando Beirão na última IstoÉ (do dia 19 de dezembro,
please, leia), chamado O recomeço do sonho. Li várias vezes. Na primeira, chorei de
pura emoção — porque ele reabilita todas as vivências que eu tive nesta década.
Claro que ele fala de uma geração inteira, mas daí saquei, meu Deus, como sou
típico, como sou estereótipo da minha geração. Termina com uma alegria total:
reinstaurando o sonho. É lindo demais. E atrevido demais. É novo, sadio. Deu uma
luz na minha cabeça, sabe quando a coisa te ilumina? Assim como se ele formulasse
o que eu, confusamente, estava apenas tateando. Leia, me diga o que acha. Eu não
me segurei e escrevi uma carta a ele dizendo isso. Não sou amigo dele, só
conhecido, mas acho que a gente deve dizer.
Escrevendo, eu falo pra caralho, não é?
Aqui em casa tá bom. É sempre um grande astral, não adianta eu criticar. O
astral ótimo deles independe da opinião que eu possa ter a respeito, não é
fantástico? A casa tá meio em obras, Nair mandou construir uma espécie de jardim
de inverno nos fundos, vai ligar com a sala. Hoje estava puta porque o Felipe não
vai mais fazer vestibular: foi reprovado novamente no 3º colegial. Minha irmã
Cláudia ganhou uma Caloi 10 de Natal do noivo (Jorge, lembra?), e eu me apossei
dela e hoje mesmo dei voltas incríveis pelo Menino Deus. Márcia tá bonita, mais
adultinha, assim com um ar meio da Mila. Zaél cozinhando, hoje faz arroz com
passas para o jantar.
Povos outros, nem vi. Soube que A comunidade está em cartaz ainda e tenho
granas pra receber. Amanhã acho que vou lá.
Tô tão só, Zézim. Tão eu-eu-comigo, porque o meu eu com a família é meio
de raspão. Tá bom assim, não tenho mais medo nenhum de nenhuma emoção ou
fantasia minha, sabe como? Os dias de solidão total na praia foram principalmente
sadios.
Ocê viu a Nova? Tá lá o seu Chico, tartamudeante, e uma foto muito
engraçada de toda a redação — eu com cara de “não me comprometam, não tenho
nada a ver com isso”. Dê uma olhada. Falar nisso, Juan passou por aqui, eu tava na
praia, falou com Nair por telefone, estava descendo de um ônibus e subindo
noutro. Deixou dito que volta dia 3 de janeiro ou fevereiro, Nair não lembra, pra
ficar uns dias. Ficará? E nada acontecerá, Uma vez me disseram que eu jamais
amaria dum jeito que “desse certo”, caso contrário deixaria de escrever. Pode ser.
Pequenas magias. Quando terminei Morangos mofados, escrevi embaixo, sem querer,
“criação é coisa sagrada”. É mais ou menos o que diz o Chico no fim daquela
matéria. É misterioso, sagrado, maravilhoso.
Zézim, me dê notícias, muitas, e rápido. Eu não pensei que ia sentir tanta
falta docê. Não sei quanto tempo ainda fico, mas vou ficando. Quero escrever
mais, voltar à praia, fazer os documentos todos. Até pensei: mais adiante, quando já
estivesse chegando a hora de eu voltar, você não queria vir? A gente faria o mesmo
esquema de novo, voltaríamos juntos. A família te ama perdidamente, hoje
pintaram até uns salseirinhos rápidos porque todo mundo queria ler a matéria do
Chico ao mesmo tempo.
“Let me take you down cause I’m going to strawberry fields
nothing is real, and nothing to get hung about
strawberry fields forever
strawberry fields forever
strawberry fields forever”.
Isso é o que te desejo na nova década. Zézim, vamos lá. Sem últimas
esperanças. Temos esperanças novinhas em folha, todos os dias. E nenhuma, fora
de viver cada vez mais plenamente, mais confortáveis dentro do que a gente, sem
culpa, é. Let me take you: I’m going to strawberry fields.
Me conta da Adélia.
E te cuida, por favor, te cuida bem. Qualquer poço mais escuro, disque
0512-33-41-97. Eu posso pelo menos ouvir. Não leve a mal alguma dureza dita. E
porque te quero claro. Citando Guilherme Arantes, pra terminar: “Eu quero te ver
com saúde/ sempre de bom-humor/ e de boa-vontade.”
Um beijo do
Caio

PS — Abraço pro Nello, Pra Ana Matos, e Niño também.

Ler mais »

0 comentários: