NO DIA EM QUE VARGAS LLOSA FEZ 59 ANOS

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Na manhã do dia em que Vargas Llosa fez anos em Porto Alegre, acordei bastante cedo e nem li jornal nem nada, fiquei desde logo tentando escrever, tanta coisa atrasada, e já às oito e meia tocou o telefone avisando que um amigo estava hospitalizado, vou aí à tarde, prometi, mas só depois de desligar lembrei que não posso mesmo ir a hospital, essas tais defesas baixíssimas, e continuei tentando escrever, a impressora enlouqueceu outra vez, mas já aprendi o jeito, tem que sair do Windows, voltar ao Windows e fazer tudo de novo, pois fiz tudo de novo enquanto tentava esclarecer por telefone por que, raios, tinham me dado a assinatura de um jornal de SP depois des-dado, só queria saber se iam redar ou se precisava fazer uma nova, mas a linha caiu várias vezes, agora tem uma moda infernal, você liga e não faz sinal nenhum, e eu fui tentando telefonar e tentando escrever ao mesmo tempo, o que não é possível, e de repente era depois de meio-dia e eu estava tonto de fome e fui almoçar sem ter escrito nada.
Na tarde do dia em que Vargas Llosa fez anos, fiquei tentando escrever enquanto ligavam de uma revista turística querendo saber se eu preferia falar sobre Kiiln ou Nantes e eu disse que ia pensar, só queria continuar tentando escrever, mas a secretária exigiu banco e eu tinha também que assinar uns papéis para a compensação de direitos autorais de Berlim e não conseguira mesmo escrever nada quando me dei conta que eram 15h e a hora no médico era às 14h4, enfiei uma camiseta, saí correndo, peguei um táxi até Petrópolis e aí foi a melhor do dia, porque além de afirmar que não tenho mesmo nada nos pulmões o médico ficou falando em descer o Nilo de barco, subir nas pirâmides e ver o Vale dos Reis, depois seguir até a Grécia, quero morrer em Creta, eu disse, chegar em Creta e pum! uma parada cardíaca fulminante literalmente divina e sobretudo mítica, pensando nisso eu fui voltando a pé do outro lado da cidade, mas começou a soprar um vento gelado e achei melhor tomar um fusca todo arrebentado, o motorista ficou contando que tinha alugado Lobo no vídeo, mas tomou cerveja demais, dormiu antes do fim e teve que devolver sem ver, pediu pra eu contar e eu disse que Michele Pfeiffer virava loba também, mas ele fez ar de desprezo e disse que preferia a Sharon Stone, achei melhor não discutir, já estava chegando mesmo no Menino Deus e antes de voltar para casa e continuar tentando escrever precisava passar na farmácia para comprar própolis, foi então que a dona da farmácia veio direto dizendo que queria usar meu nome para um artigo sobre homeopatia, e eu estava começando a me sentir tão, mas tão cansado que concordei com tudo, saí pensando droga, não posso mais voltar aqui, e vim embora continuar tentando escrever.
Na noite do dia em que Vargas Llosa completou anos, sem querer eu dormi às seis da tarde para acordar à meia-noite com a casa toda escura e resolvi deixar para escrever amanhã, então liguei a TV e só então fiquei sabendo que Vargas Llosa estava fazendo anos, em Porto Alegre, mas esperei paciente só para ver um pouco a Audrey Hepburn em Funny Face, aquele visual fantástico de Richard Avedon, mas só depois de atravessar todos os crimes e o aumento dos juros dos importados foi que o filme começou e para meu espanto lembrei da letra quase toda de Thinkpink, futilidade é o que mais salva a gente, gente, às três da manhã desisti do filme e de repente pensei em Hilda Hilst sozinha na fazenda, 64 anos, os cachorros mais nada nem ninguém, lembrei de J. D. Salinger afastando a tiros quem se aproxima de seu sítio, abri as cartas de Rimbaud e caiu justo naquele episódio de Bruxelas, quando Verlaine deu o tiro na mão dele, eu não conseguia dormir e acabei tomando um lexotan, o que é raro, e acabei deixando para escrever amanhã, quer dizer hoje, agora, aqui, assim, é isso.

“Agora eu nunca estou sozinho na pior das hipóteses estou com Deus!”
Henry Miller

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