A Zaél e Nair Abreu

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Saint-Nazaire, 26 de novembro de 1992.

Queridos pai e mãe,
recebi ontem sua carta — obrigado, estava um tanto aflito por notícias.
Gostei de saber que tudo vai bem, e fiquei especialmente feliz com o novo
sobrinho. Que bom! Dêem os parabéns a Felipe e Eny.
Estranhei não ter chegado a carta grande que mandei daqui. Acho que tinha
colocado tudo — o xerox inclusive — dentro de um único envelope. Bem, pode
ser que não. De qualquer forma, nela eu pedia que através da dona Glacy, mãe do
Ivan — 233.65.48 — entrassem em contato com a irmã dele, Vania. Mas como
escrevi também para a Vania, que é juíza, talvez ele tenha ligado para aí.
O problema é o meu apartamento de São Paulo. Agora, pelo visto, está
perdido mesmo. O aluguel subiu loucamente, Gil ligou para cá e achamos melhor
entregar à imobiliária. Gil se encarrega de deixar minhas coisas num guarda-móveis.
O difícil nisso é ficar sem casa em SP. Meu plano é voltar em fevereiro para o Brasil,
mas em junho tenho que estar de novo por aqui, na Alemanha.
Enfim, esse problema de moradia é tão antigo — e chato — que ponho nas
mãos de Deus. Quando voltar, resolvo.
Mãe, dê um grande abraço no Leo. E se lembrar, da próxima vez que me
escrever, mande o endereço dele, quero mandar um cartão. Aqui tudo vai bem. É
uma cidade pequena, não há muito para fazer. Então tenho dormido e acordado
muito cedo. O frio ainda está suportável, não baixou dos 10 graus. Semana passada
vieram uns escritores — imaginem — da Estônia, Lituânia e Letônia, que fica perto
da Rússia, foram dominados pelos russos durante 50 anos. A cidade ficou mais
animada, houve várias festas. A língua fica uma mistura de francês-inglês-espanholrusso.
Acabei até falando umas palavras em sueco, com um escritor letoniano que
refugiou-se há anos em Estocolmo.
Falei com Augusto, ele está muito bem. Deve estar chegando no Brasil lá
pelo dia 15 de dezembro. Só vamos poder nos encontrar aí.
No momento, estou com uma hóspede, por uma semana. Imaginem: é uma
mãe-de-santo, Sandra Berenguer, que conheci na Bahia! Ela tinha vindo a Portugal e
Espanha dar umas conferências sobre candomblé, queria conhecer a França e não
tinha onde ficar. Então, estou muito bem protegido. Me ocorreu agora: estou
mandando este folheto da Sandra com um bilhetinho para o Leo. Acho que ele vai
gostar.
Pai, coloquei o trevo de quatro folhas junto dos meus cristais e uma figa que
Sandra trouxe da Bahia. Nesta terra não há fé, e os franceses ficam muito intrigados
com todas essas coisas...
Quanto ao Gringo, acho que é melhor esquecer. Fiquei horrorizado com a
história do encontro dele com Felipe, no Parque. Bom, certamente um dia a
consciência dele vai se manifestar.
Mando beijos a todos — especiais para Rodrigo e Laurinha. Espero que o
cabelo da Cláudia esteja se comportando. Diga a ela que aquele “dente monstro” que
tenho anda me incomodando. Vou ver se é possível ir levando até a minha volta —
tem que fazer uma extração, e quero fazer com ela. Vai ser um horror, não queria
fazer aqui.
Carinho grande para todos, e muita saudade do filho
Caio

PS — Mandei um cartão para tia Pereca — não sei se chegou. Se não, por favor
digam a ela que mando todo meu carinho.

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