A Flora Süssekind

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POA, 1 de dezembro 1995.

Flora:
vão finalmente as cartas de Ana C. São preciosas. Não consegui achar
apenas o original datilografado por ela da versão de O cisne, de Baudelaire. Creio
que perdeu-se na redação do Estado (a propósito, segue também o recorte das
cartas publicadas lá — você vai ver que falta uma: era demasiado íntima, vai para
você).
Tive uma idéia: essas cartas, na minha opinião, são tão belas que mereciam
ser publicadas. Uma edição discreta, como o livro seu sobre as gavetas dela. Mas
não tenho a menor idéia de como ficariam direitos autorais. Nos pouquíssimos
contatos que tive com a família, achei tudo muito, muito complicado. Enfim, fica a
sugestão. E vai até uma sugestão de capa (tenho certa vocação de editor e de
programador gráfico...) Ah: de maneira alguma penso em “faturar” com as cartas da
Ana C. No caso de um livro, não me importo de não receber direitos autorais.
Podem perfeitamente ficar com a família. Talvez você tenha acesso a Waldo e
Maria Luiza e, mais importante, se disponha a falar nisso. Não é urgente. Apenas
acho que seria bonito e útil para quem escreve.
*
Achei mais três cartas que aí vão (tem mais, irão surgindo aos poucos dos
labirintos gavetórios). São de Jorge Amado, Paulo Coelho e João Ubaldo. A de João precisa esclarecimento: num debate sobre literatura brasileira na Universidade
de Londres, em 1991, eu disse que achava O sorriso do lagarto um livro de horror — e
que a realidade brasileira contemporânea era tão terrível que esse horror estava
sendo incorporado quase que com naturalidade à literatura. Bom, essa senhora —
alemã, e provavelmente fez uma confusão — foi dizer ao Ubaldo em Berlim que eu
achava o livro um horror. E votou contra mim para a bolsa do DAAD. Foi péssimo.
Mas tudo, acho, acabou se esclarecendo.
*
Bom, é isto.
Continuo me restabelecendo lentamente. Mas já posso escrever, cuidar do
jardim, e fui até ao cinema (Terra estrangeira, de Walter Salles: excelentíssimo).
Preciso de tempo para escrever mais alguns livros, estou sempre tentando
barganhar com O Que Chamamos de Deus... Mas sem ansiedaçle: o tempo que
temos, se estamos atentos, será sempre exato.
Segue o recibo de remessa das outras cartas. Please, confirme recebimento.
Um abraço, votos de saúde, fé e alegria
Caio

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