A Gerd Hilger

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Gay Port, 18 de novembro de 1994

Lovely Gudrun,
Não resisto à tentação de responder imediatamente à tua carta, ao som de
Elis cantando alucinadamente As curvas da estrada de Santos. Hoje morreu Ronaldo
Bôscoli, que foi casado com ela e também teve um trancetê com Nara. Penso
muito, muito em você — e tive uma idéia: quem sabe na próxima encarnação
venho mulher e você homem (ou o contrário, querida!) para podermos casar? Ou
quem sabe lésbicas, machorrísimas, talvez em Papeete, com jubões crespos e
enormes clitóris duros como mármore? Te piace, cariño? Bueno, questão de bom
comportamento nesta encarnação (o que já é complicado). A propósito, ontem vi
um adesivo num carro que é a nossa cara: “Good girls goes to heaven/bad girls
goes everywhere”. Não seria uma bela epígrafe para nossas ftituras autobiografias?
Think about that.
Gerd Alberto da Silva Hilger, como o senhor é guloso! Já pedindo foto da
MINHA lasanha completamente pelado(a)... Para seu governo, honey, eu recém
comecei a pegar amizade, ontem foi apenas a segunda vez que nos encontramos!
Mas falando sério — God! — que homem GOSTOSÉRRIMO... Claro que estou
achando que tudo era fatal, e que fiquei doente apenas para conhecê-lo, e que
natural e inevitavelmente ele também vai se apaixonar por mim, e que movido pelo
amor descobrirá algum medicamento fantástico que me salvará a vida e certamente
logo depois iremos viver em alguma ilha do Pacífico Sul (ou norte, ou leste, oeste,
tanto faz) onde seremos felizes para sempre — e o senhor Não será convidado a
nos visitar, a não ser que leve o Valdir junto, OK?
Segundo a Lasagna, milagrosamente estou curado da anemia — que é o pior
efeito colateral do AZT. Ele não entende como. Mal sabe que ele é o próprio
remédio. Colocou meu nome em PRIMEIRO lugar numa lista para testar um
remédio novo (vês?), e ficou me perguntando por que raios até hoje não achou uma
mulher perfeita. Claro que pensei “evidente, meu bem, você ainda não
me conhecia” , mas segurei nas perolas sobre o tailleur bege, muito, muito discreta.
Agora a parte triste: me pediu para voltar lá só daqui há um mês... Mas pediu meu
telefone fingindo que era para a ficha, eu, hein?
Bom, te manterei informado do andamento dos trabalhos. I promess.
Ah, é Leo, ascendente Sagitário, lua em Aquário, no chinês Boi da hora do Macaco,
nascido numa quinta-feira com Oxóssi de frente. Afinal, e meu PhD em feitiçaria
branca (ou pink, vai lá), meu bem?
Gerd Antonio do Amaral Hilger, como você se lamuria! Tudo por causa do
Jorge Andrade? Mande rezar uma missa pra ele te deixar em paz, e lembre-se que
você é um rapaz bem-amado, mora bem, come bem, tem carro, vídeo, CD. Pense
na Bósnia, pense em Laika, a verdadeira, sozinha, uivando para o infinito em sua
pequena cápsula espacial. E força no salto sete, nega! Você vai, sim, escrever uma
tese deslumbrante — sim, porque você é tão falsa, meu bem, que conseguirá
enganar a todos, o texto vai dar a impressão que você morria de amor pelo tema —
, merecedora de um jantar chez Sábato e Edla, com direito a atores globais
literalmente lambendo — again — seus sapatos. Espere e verá.
Estou, graças a Deus, muito bem. Acordo cedo, durmo cedo, cuido muito
do jardim. Plantei muitas flores, hoje foi uma roseira vermelhíssima, para aproveitar
a Lua Cheia em Áries. Tudo brota, fica lindo. Mas consegui arranjar um inimigo
mortal: caramujos canibais DO MAL que adoram roer brotos verdinhos (carne
fresca, né, quem não gosta?). O japonês da floricultura me recomendou um
remédio chamado Lesmol, adorei o nome. Estou feliz, em harmonia. Muitos florais
de Bach (o médico, burra, não o compositor), muitos cristais, muitos chás de ervas,
muitos passes — muita veadagem, é vero — e força no AZT. Amigos
maravilhosos, hoje recebi um material da bela Karin, um remédio novo & tudo &
tal. Não vão acabar comigo, porra, não tenho tempo de morrer agora, saco.
Troquei a Elis pela Dietrich para me dar um clima assim, digamos, deutsch.
Rolo de rir com ela cantando Paff, der Zauberdrachen e também adoro Bitte geh’nicht,
vou acabar aprendendo alemão — sou mesmo muito chique. Aliás, ontem,
tomando um banho de ervas de candomblé, não resisti e botei sete gotinhas de
Paloma Picasso. Tenho várias teorias novas sobre a futilidade como arma essencial
para a sobrevivência nestes hard times.
Procure vezenquando Christoph, aquele alemãozinho alasanhado seu vizinho
e sempre às voltas com muitas filhas e esposas grávidas, partos de cócoras,
mamadeiras e fraldas. Ele é do bem, precisa só de um empurrãozinho. E claro, de
mais pêlos no peito. Mas isso a gente até releva.
O vídeo — e toda a pornô decorrente — vou me dar de Natal. Vou fazer
compras em Montevidéu, pode? Mandarei post-cards provando. Se você souber de
algo que Andy Garcia tenha feito na extrema juventude, antes da glória, me
informe. Também aceito de Mel Gibson. Bem, mais que apenas algo...
Ando muito ordinária e vadia — mas só na mente. Desde fevereiro último,
Teresa de Calcutá perde. Mas não perdi o sex-appeal, logo mandarei fotos. Minhas,
do médico — Eduardo Sprinz, é de origem deutsch, imagino, só podia ser, vocês
alemães são um Karma nesta minha vida de retinas fatigadas — pode esperar
sentado.
Entardece suave. Com o horário de verão, até 21h30 tem luz, fica meio
escandinavo. Hoje eu deveria estar em Viena, com Frank Heibert. Mas estivesse lá,
não teria conhecido a lasanha: vês como Jesuzinho escreve certo por linhas tortas
(ou será o contrário?). Anyway, não perca a fé, força no jubão, beijos em Valdir e
muito, muito amor do escritor mais positivo que você conhece.
Always yours,
Caio F.
(o primo Brazilian de Christiane)

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