A Luiz Arthur Nunes

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SP 1º.02.94

Luizar, querido,
como você pode perceber pelo papel, andei dando uma Elza na
Lufthansa... ah, eles são tão ricos, acho que nada de grave.
Obrigado pelo seu cartão e seu convite. Desde a estréia, andei pensando
muito no seu Vestido de noiva, mas acho que não será possível ir. Ando duríssimo,
como de costume, e um tanto preso a São Paulo num trancetê de fax (plural é
faxes?) e fones para a Europa. Tem três livros meus saindo na França agora-já-poresses-
dias (um já veio, é a novelinha Bem longe de Marienbad, que escrevi lá; os outros
são Qu’est devenue Dulce Veiga? e uma antologia de contos, chamada L’autre voix), e os
editores querem que eu vá. Estão vendo passagem, lançamento, entrevistas. Se tudo
der certo, vou.
Mas embora isso possa parecer muito chique, não ando nada bem. Nada
grave, cabeça ruim. Sem rumo, sem motivo. Passei janeiro quase todo praticamente
de cama. Uma gripe medonha, durou umas três semanas, depois uma otite crônica.
Ai, a meia-idade... E a depressão arreganhando os dentes por trás. Queria demais
sair de SP, mas ir para onde? Sobre isso conversei muito com Alcione, certo pôrdo-
sol no Parque da Marinha em Porto, em dezembro. Aliás, ele (que já deve estar
por aí) me pareceu ótimo, cheio de energia. A luz de Porto Alegre me encanta, mas
há aquela najice provinciana solta no ar — e sempre se corre o risco de encontrar
em alguma esquina com algum perdido, cheio de som e fúria porque — na opinião
dele — você deu-o-fora-e-se-deu-bem. Se soubessem da enorme cadelice que é
sobreviver por aqui...
Não liga para crítica, não. De preferências não leia (ouvi esse conselho de
Rubem Fonseca) enquanto a coisa está quente. Tenho certeza que o teu Nelson
Rodrigues deve ser lindíssimo. Algumas pessoas que falei elogiam especialmente
Luciana Braga (sou um grande fã dela, acho que daria uma perfeita Rosalinda) e
morro de vontade de ver La Gran Saldaña interpretando Mme. Clecy (um sotaque
frrrrancês cairia bem, acho). Você é talentosíssimo, mas o problema é que o Brasil
está vulgar demais. Acho tudo feio, histérico, patético.
Torço sempre por você, e desejo um final de temporada e de verão lindos.
Sinto saudade sempre e, volta e meia, uma vontade danada de voltar a trabalhar
com você. Beije Saldanha, Braga e Duse Nacaratti (sempre no meu coração,
tocando maraca no Santo Daime, você pode imaginar?). Beijo carinhoso do seu
Caio F.

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