A Nair de Abreu

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Rio, 15 de setembro de 1983

Querida mãe,
deu vontade, de repente, de escrever para a senhora. São quase seis horas da
tarde, o sol começou a se pôr bem aqui em frente à minha janela. Foi um dia muito
bonito, a primavera está mesmo no ar. Fiquei no sol o dia todo, agora há pouco
tomei banho, fiz um mate, e dei mais um jeito no quarto, com as outras coisas que
vieram de São Paulo. Está ótimo, parece uma casinha.
Voltar foi um pouco difícil, principalmente depois de todo o carinho que
recebi aí. Coisa estranha, família é uma coisa que a gente passa muito tempo
negando até perceber não só que não deve negar como também é ótimo. Descobri
vocês todos desta vez. E acho que tenho a melhor família do mundo.
Estou um pouco preocupado com Cláudia. Pelas contas, hoje devia ser o
grande dia. Prometa que me liga assim que o bebê nascer, contando tudo. E veja se
anota o minuto exato do nascimento para que eu e Jacqueline possamos fazer o
mapa astral. Diga a Cláudia que tudo vai dar certo, tenho rezado por ela, para que
seja corajosa e tudo corra bem.
Comigo as coisas estão indo bem. Terça passei na editora para ver a capa do
novo livro. Fiquei chocado, é bonita mas meio terrível: uma cidade enorme e meio
vazia, como depois de uma explosão nuclear, com um céu escuro, dramático, meio
apocalíptico por cima. E um dia nascendo. Os editores estão acreditando muito,
espero que dê certo. Acho que é meu melhor livro, mas é também o mais terrível
— porque é preciso falar claramente sobre certas coisas, é preciso alertar as pessoas
para as vidas erradas que levam, a alimentação errada, as emoções erradas, os
relacionamentos errados. Não quero ser dono da verdade, mas aprendi algumas
coisas nesses anos — pode parecer ambicioso, mas de repente gostaria de ajudar a
transformar este mundo numa coisa melhor. Para isso, tento ficar bem: hoje nadei
muito, fiz muito exercício na beira da piscina. Porque se o corpo estiver sadio, a
mente e o espírito também estarão.
Dia do meu aniversário choveu muito, e fiquei só o dia inteiro. Foi um
pouco triste. Depois melhorou, à noite vieram Jacqueline, Cacaia e Graça (que está
indo para os Estados Unidos passar um mês, e muito bem, perguntou pela
senhora). Chegou uma cartinha de vovó Zaira, tia Florinha e tia Vilma telegrafaram.
Depois ligou a Lulu, a senhora e o Ivan. Sobre o Ivan, queria pedir à senhora uma
coisa: ele está com uma inflamação grave nos ouvidos e na garganta, precisa fazer
uma operação na segunda-feira. Por favor, telefone à mãe dele (chama-se Dona
Glacy) para saber como ele está — o telefone é 33-65-48.
Tenho um altarzinho no meu quarto, e coloquei perto do Anjo da Guarda
aquela foto da comunhão minha e do Gringo. Peço sempre por ele.[...]
Espero que a Marlene continue aí, ajudando a senhora nessa medonha
trabalheira. Espero também que o pai esteja bem de saúde, e menos preocupado.
Diga ao Felipe para não desistir da idéia de retomar o curso de História. Que a
Márcia, Cláudia, Clésio e Jorge estejam bem. Um abraço para todos.
Quando tiver tempos me escreva um bilhetinho. Gosto muito das suas
cartas. Por favor, cuide-se. E receba um grande beijo do seu filho
Caio

PS - Se a sra. encontrar a Dominga diga a ela que estou escrevendo a apresentação
do livro novo da Tania — mas que não conte a ela porque é surpresa.
PS - Acabei de receber o seu telefonema. Estou muito feliz. Viva o Rodrigo!

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